Decisão do STF garante renda a mulheres afastadas do trabalho por violência doméstica e reforça combate ao feminicídio

Imagem: Freepik
Especialista em Direito Previdenciário, Jane Berwanger explica impactos práticos da decisão e destaca que segurança financeira é fator decisivo para romper o ciclo da violência
O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o empregador e o INSS devem garantir o pagamento de benefício à mulher que precisar se afastar do trabalho em razão de violência doméstica, quando houver medida protetiva judicial. A decisão representa um marco na proteção das mulheres vítimas de violência e fortalece a aplicação da Lei Maria da Penha, ao assegurar manutenção da renda por até seis meses, período considerado essencial para que a vítima consiga se reorganizar e romper com o agressor.
A decisão foi tomada no julgamento que analisou a constitucionalidade do artigo 9º, § 2º, II, da Lei nº 11.340/2006, que prevê a possibilidade de afastamento do local de trabalho como medida protetiva de urgência.
Segundo a advogada Jane Berwanger, especialista em Direito Previdenciário e professora, o julgamento vai além da interpretação jurídica e atinge diretamente a raiz de um dos principais entraves enfrentados por mulheres em situação de violência.
“Muitas mulheres permanecem em ambientes violentos porque não têm como se sustentar. A dependência econômica é um dos fatores mais determinantes para a continuidade da violência doméstica. Essa decisão do STF enfrenta esse problema de forma concreta”, explica.
MEDIDA PROTETIVA E COMPETÊNCIA DO JUDICIÁRIO
De acordo com o entendimento fixado pelo STF, cabe ao juízo estadual criminal, especialmente aquele responsável pela aplicação da Lei Maria da Penha, determinar a medida protetiva que assegura o pagamento de prestação pecuniária à mulher afastada do trabalho.
Mesmo que a execução material do pagamento envolva o INSS e o empregador, a decisão deixa claro que a competência para conceder a proteção é da Justiça Estadual, no âmbito criminal.
“É o juiz que atua nos casos de violência doméstica quem avalia a situação concreta da vítima e determina o afastamento do trabalho, garantindo a proteção integral prevista na Lei Maria da Penha”, esclarece Jane Berwanger.
QUEM PAGA O BENEFÍCIO E COMO FUNCIONA
O STF também definiu que a natureza do benefício pode ser previdenciária ou assistencial, a depender do vínculo da mulher com a seguridade social.
Segundo Jane Berwanger, a decisão amplia a proteção para diferentes realidades de trabalho:
- Mulheres seguradas do Regime Geral de Previdência Social, como empregadas, contribuintes individuais, facultativas ou seguradas especiais, terão direito ao benefício previdenciário;
- Quando houver vínculo empregatício formal, os primeiros 15 dias de afastamento ficam sob responsabilidade do empregador, seguindo a lógica já aplicada aos benefícios por incapacidade;
- Após esse período, o pagamento passa a ser feito pelo INSS;
- A decisão também reconhece que o conceito de “vínculo trabalhista” deve ser interpretado de forma ampla, protegendo qualquer fonte de renda da qual a mulher precise se afastar em razão da violência sofrida.
“O STF deixou claro que a proteção não se limita ao emprego formal. O objetivo é preservar a fonte de renda da mulher, seja ela qual for, para garantir autonomia e segurança”, destaca a advogada.
AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O AGRESSOR
Outro ponto relevante do julgamento diz respeito à responsabilização do agressor. O Supremo definiu que o INSS poderá ajuizar ação regressiva contra o responsável pela violência, com base no artigo 120 da Lei nº 8.213/1991.
Essas ações deverão ser processadas na Justiça Federal, conforme determina o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal.
“Além de proteger a vítima, a decisão reforça a responsabilização do agressor. O Estado não pode arcar sozinho com os custos de uma violência que tem um responsável identificado”, afirma Jane Berwanger.
DECISÃO E COMBATE AO FEMINICÍDIO
Para a especialista, a decisão do STF deve ser analisada também sob a ótica dos altos índices de feminicídio no Brasil, especialmente em estados como o Rio Grande do Sul, onde os números seguem preocupantes.
“A falta de renda impede muitas mulheres de sair de casa. Quando o Judiciário garante segurança financeira por um período mínimo, cria-se uma real possibilidade de ruptura com o agressor. Isso salva vidas”, pontua.
Jane Berwanger ressalta que a autonomia econômica é um dos pilares para o enfrentamento da violência doméstica e que políticas públicas e decisões judiciais precisam caminhar nesse sentido.
“Se a mulher tem condições financeiras para se manter por seis meses, ela consegue sair do ambiente de violência, buscar apoio, reorganizar a vida e proteger a si e, muitas vezes, aos filhos. Essa decisão é uma vitória concreta no combate ao feminicídio”, conclui.
TEXTO: Jane Berwanger









