Justiça federal reconhece desigualdade de gênero na zona rural e concede BPC a idosa em situação de vulnerabilidade

Em decisão emblemática proferida pela 8ª Vara Federal de Londrina, no Paraná, o juiz federal Marcio Augusto Nascimento concedeu o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a uma idosa de 66 anos, residente na zona rural, com base em uma leitura constitucional e humanizada do caso, fundamentada no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).


A autora da ação, uma dona de casa que vive com o filho em moradia precária no meio rural, apresenta condições de saúde extremamente frágeis – com histórico de acidente vascular cerebral (AVC) e pré-infarto, e não possui renda própria. O filho, único integrante familiar economicamente ativo, é trabalhador rural autônomo e informal, com renda variável em torno de R$ 2 mil mensais, instável e dependente de fatores climáticos e safras. Essa renda, embora superior ao critério objetivo previsto pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), foi relativizada pelo magistrado em razão da situação de desigualdade estrutural vivida pela autora.


O deferimento do benefício levou em conta um aspecto cada vez mais reconhecido pela jurisprudência contemporânea: o impacto da divisão sexual do trabalho, especialmente na zona rural, onde mulheres ainda desempenham majoritariamente funções de cuidado e trabalho doméstico invisibilizado e não remunerado. Segundo o juiz Nascimento, essas tarefas, embora socialmente essenciais, não geram renda nem reconhecimento formal, o que contribui para a exclusão previdenciária e assistencial das mulheres do campo.


Ao aplicar o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, o julgador fez uma leitura que transcende os limites frios da lei para considerar as estruturas históricas de opressão que afetam mulheres como a autora: pobres, idosas, residentes em regiões rurais, com trajetória marcada por invisibilidade e ausência de acesso a direitos formais. Essa leitura é plenamente compatível com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia material e da proteção social.


O magistrado ainda destacou que “a suposta neutralidade do Direito, ao tratar igualmente os desiguais, perpetua injustiças históricas”. Assim, é papel do Poder Judiciário exercer uma parcialidade positiva, ou seja, reconhecer as especificidades de gênero, classe e território para viabilizar a efetivação de direitos fundamentais.


Essa decisão reforça o caminho que o Direito Previdenciário vem trilhando em direção à justiça social substantiva. O benefício assistencial não pode ser analisado apenas sob a lente dos critérios objetivos da renda, mas sim à luz de contextos sociais que envolvem desigualdades interseccionais. O entendimento firmado pelo juiz de Londrina abre um precedente relevante para outras decisões que envolvam mulheres em condições semelhantes, principalmente em áreas rurais onde o patriarcado se manifesta com ainda maior força e a informalidade domina as relações de trabalho.


Mais do que um simples deferimento de benefício, essa decisão é um exemplo de como o Judiciário pode, e deve, contribuir para a reparação histórica de desigualdades de gênero e para o fortalecimento do pacto constitucional de inclusão.


Fonte: JFPR

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