Rescisão de Acórdão no TRF3 reafirma importância da perspectiva de gênero na concessão de Salário-Maternidade a trabalhadora rural

A recente decisão da Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) representa um avanço notável na aplicação do Direito Previdenciário com enfoque em justiça social e perspectiva de gênero. Em julgamento de ação rescisória, o colegiado decidiu, por maioria, desconstituir parcialmente um acórdão anterior da Sétima Turma e determinou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a concessão do benefício de salário-maternidade a uma trabalhadora rural, cuja filha nasceu em 19 de dezembro de 2015.
O fundamento central da decisão foi o reconhecimento de erro de fato na decisão transitada em julgado em setembro de 2021, que havia indeferido o benefício sob o argumento de ausência de início de prova material em nome próprio da autora. A análise da Terceira Seção, no entanto, evidenciou que tal entendimento ignorou documentos relevantes que constavam nos autos, especialmente a certidão de nascimento da filha da requerente, na qual ela é qualificada como "lavradora", além de registros do Cadastro Único (CadÚnico) atestando a atividade rural do companheiro.
Sob a relatoria da desembargadora federal Gabriela Araújo, o novo julgamento seguiu a orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual a certidão de nascimento com a indicação da profissão de trabalhadora rural é apta a configurar início de prova material. O acórdão também reforçou que esse documento, quando corroborado por prova testemunhal coerente e convergente, constitui conjunto probatório suficiente à comprovação da atividade rural para fins de concessão de benefícios previdenciários.
Um aspecto de grande relevância nesta decisão foi a incorporação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta magistradas e magistrados a considerar contextos estruturais de desigualdade que afetam mulheres no acesso a direitos. A relatora pontuou que a valoração da prova no âmbito rural ainda é marcada por uma visão androcêntrica, desconsiderando frequentemente a informalidade e a invisibilidade do trabalho feminino no campo.
Nesse sentido, a decisão da Terceira Seção sinaliza não apenas a correção de uma injustiça concreta, mas também o compromisso do Judiciário com a transformação cultural que a aplicação sensível do Direito exige. A consideração das vulnerabilidades socioeconômicas, como a maternidade precoce e a ausência de documentação formal da atividade rural, exige do julgador uma abordagem que transcenda a rigidez da prova documental tradicional e abrace a realidade dos fatos sociais vividos pelas mulheres do campo.
O colegiado determinou, portanto, que o INSS conceda o salário-maternidade à autora pelo período legal de 120 dias, contados a partir do nascimento da filha, com pagamento equivalente a um salário-mínimo vigente à época.
Essa decisão representa uma vitória para o reconhecimento do trabalho rural feminino e reforça a importância da atuação advocatícia atenta às novas diretrizes jurisprudenciais e normativas de proteção dos direitos das mulheres.
Número do Processo: Ação Rescisória 5025854-80.2023.4.03.0000
Fonte: TRF3
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